Fernando Pereira

quinta-feira, 2 de julho de 2020

3º CONGRESSO DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA




3º CONGRESSO DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA
Aveiro 4 a 8 de Abril de 1973
Edição : Seara Nova
Teses:
—Segurança Social e Saúde Urbanismo e habitação
—Desenvolvimento Económico e Social
— Conclusões
Exemplares em muito bom estado.
Sem assinaturas ou anotações

O III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro de 4 a 8 de abril de 1973, praticamente um ano antes do 25 de Abril, cumpriu uma dupla missão histórica de grande importância. Por um lado, veio revigorar o movimento de Oposição Democrática, que as "eleições" de 69 tinham relançado mas que a crispação repressiva do marcelismo, a partir de 1970, debilitara ou limitara na sua capacidade ofensiva e de expansão. Por outro lado, tal como o II Congresso, em Abril de 69, permitiu preparar a participação nas "eleições" de 1969, também o III Congresso impulsionou a intervenção nas "eleições" de 1973, através de uma ampla mobilização de militantes extremamente ativos na elaboração das teses, muitas delas coletivas, e na sua discussão, ultrapassando em muito neste aspeto o que havia sido a dinâmica do Congresso anterior. Além disso, no plano programático e ideológico, distinguiu-se por uma evidente radicalização das propostas e medidas apresentadas nas diferentes temáticas analisadas e debatidas nas suas oito secções: desenvolvimento económico e social (7 teses); estrutura e transformação das relações de trabalho (21 teses); segurança social e saúde (5 teses); urbanismo e habitação (12 teses); educação, cultura e juventude (27 teses e mensagens); desenvolvimento regional e administração local (8 teses); direitos do homem e organização do Estado (18 teses); situação e perspetiva política no plano nacional e internacional (32 teses). Note-se que esta divisão em secções temáticas constituiu uma inovação em relação aos dois Congressos Republicanos anteriores (o de 1957 e o de 1969).
Para tal muito contribuiu a experiência obtida em 1969 com a elaboração do programa eleitoral da CDE de Lisboa, uma verdadeira escola de formação para tantos militantes.
A necessidade de não dissociar o combate ao regime ditatorial e pelas liberdades da defesa de uma alternativa socialista ao sistema capitalista tornou-se a partir de então uma preocupação incontornável no seio da oposição e das suas diferentes correntes. É ainda de sublinhar o clima de unidade em que decorreu todo este trabalho, ultrapassadas que foram as ruturas ocorridas em 1969 entre a CDE e a CEUD, o que não impediu, antes tenha talvez facilitado a organização dos socialistas como partido, escassas duas semanas depois! Por último, a própria estrutura organizativa do Congresso, com Comissões Distritais e uma Comissão Nacional, facilitou a participação ativa dos militantes democratas da província e evitou uma marca demasiado académica no Congresso.
Na mesa-redonda organizada pela Seara Nova logo após o final do Congresso e publicada no seu nº 1531 de Maio de 1973, todos estes aspetos foram sublinhados pelos participantes: Francisco Pereira de Moura, José Manuel Tengarrinha, Pedro Coelho, Lino de Carvalho, José Ramalho e Caiano Pereira, tendo eu próprio assumido o papel de moderador em nome da redação da revista. Juntamente com a mesa-redonda, a Seara publicava ainda uma resenha dos comentários e relatos publicados na imprensa por órgãos de diversas orientações, sendo de salientar o "Visto" de Sá Carneiro no Expresso, que a Seara classifica de "sobretudo honesto": "As oposições demonstraram que não temem dizer claramente o que pensam, que nada têm a ocultar, que têm mesmo muito para dizer. Que o façam hoje de modo muito mais radical que no II Congresso, só poderá surpreender quem ignore que as circunstâncias se alteraram" - afirmava então o já ex-deputado da "ala liberal" e futuro líder do PSD.
Poucos meses depois as edições Seara Nova publicavam vários volumes com as teses apresentadas nas oito secções temáticas do Congresso e ainda o volume de 150 páginas com as importantes Conclusões.
Nas Conclusões avultam naturalmente as referentes à 8ª secção, onde é facilmente reconhecível o dedo de Mário Sottomayor Cardia, grande animador a par de José Manuel Tengarrinha, deste Congresso, bem visível no último parágrafo do ponto 1.3 sobre a "natureza da atual fase do regime": " A experiência dos cinco últimos anos do regime define-se como um salazarismo disfarçado que rapidamente se transformou em salazarismo desorientado". Aí se denuncia longamente "a manobra da falsa liberalização", o "fracasso das tentativas de reformas inviáveis", já objeto no ano anterior do manifesto "O fracasso do reformismo", subscrito por dezenas de democratas. Sobre o problema colonial, considerava-se que a revisão constitucional de 1971, a Lei Orgânica do Ultramar e os estatutos político-administrativos das colónias "são textos suficientemente ambíguos e prudentes para nada alterarem de essencial" e o regime se mostrava mesmo " incapaz de impor uma solução federalista pura com hegemonia branca". Mais adiante, no ponto 4.3. (Objetivos da luta democrática) preconizava-se, sem quaisquer ambiguidades, o reconhecimento do direito dos povos das colónias à independência total e o início de conversações com os Movimentos de Libertação com vista ao cessar fogo imediato, retirada integral das forças portuguesas e transferência de todos os poderes políticos e administrativos. Nunca a Oposição Democrática fora tão clara e tinha ido tão longe na abordagem da questão colonial. Curiosamente a única tese especificamente consagrada ao "problema colonial" fora apresentada por um tal "José Peixoto da Silva", pseudónimo utilizado por mim próprio (posso revelá-lo publicamente agora), na qualidade de coordenador de um grupo de trabalho formado para analisar esta questão e que contava, entre outros, com a participação muito ativa de Nuno Teotónio Pereira e outros católicos progressistas.
Não podia deixar de referir a importância de outra tese, a de José Medeiros Ferreira, então exilado na Suíça, intitulada "Da necessidade de um plano para a Nação", na qual se preconizava em tom premonitório a imprescindibilidade da intervenção das Forças Armadas no derrube do regime, o que na altura era ainda visto com algum cepticismo nos meios oposicionistas. Não por acaso, a confirmá-lo, a afirmação no ponto 1.2. (regime político) das conclusões de que "o regime atual é um regime de cunho militarista", em que as forças armadas, após violentíssimas purgas, se encontram passivamente identificadas com o poder político" (p. 130). E estava-se a cinco meses do nascimento do movimento dos capitães!...
Na importante Declaração Final, concluía-se, por fim que os três objetivos imediatos possíveis de atingir através da ação unida das forças democráticas eram o fim da guerra colonial, a luta contra o poder do capital monopolista e a conquista das liberdades democráticas, entendidos como meios de atingir o objetivo final da conquista do socialismo. Precisamente os mesmos objetivos que figurariam no comunicado conjunto do PS e do PCP de setembro de 1973.
Por último, afigura-se-me evidente a conexão entre estes objetivos e os que constarão do Programa do MFA em 25 de Abril de 1974. Não receio afirmar que as Conclusões do III Congresso foram uma das fontes inspiradoras deste Programa, cujo principal redator, Melo Antunes, navegava nas mesmas águas.
searanova.publ.pt/pt/1723/3congressoOD/413/

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